domingo, 13 de fevereiro de 2011

1º Ano - Filosofia - 1º Trimestre

1 A FILOSOFIA (Marilena Chauí)

1.1 A Origem da Filosofia

1.1.1 A palavra filosofia

- É grega: philo – deriva de philia: amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais; sophia – sabedoria, sophos: sábio; amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber; filósofo: o que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber;
- Filosofia: indica um estado de espírito, o da pessoa que ama, i.é., deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita;
- Pitágoras de Samos (séc. V a.C.): inventor da palavra filosofia; afirmava que sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens possam desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos; três tipos de pessoas compareciam aos jogos olímpicos: 1ª Comerciar: apenas para servir aos seus próprios interesses, sem preocupação com as disputas e torneios; 2ª Competir: os atletas e artistas (dança, poesia, música, teatro); 3ª Contemplar os jogos e torneios: avaliar o desempenho e julgar o valor dos que ali se apresentavam (como o filósofo, dizia Pitágoras); afirmava o filósofo não movido por interesses comerciais (saber para ser vendido ou comprado); não é movido pelo desejo de competir (“atletas intelectuais”); mas pelo desejo de observar, contemplar, julgar, avaliar as coisas, as ações, a vida; pelo desejo de saber; a verdade não pertence a ninguém, ela é o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista, se tivermos olhos (do espírito) para vê-la.

1.1.2 A filosofia é grega

- Entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento (tipicamente grego);
- Povos antigos: chineses, hindus, japoneses, árabes, persas, hebreus, africanos, índios da América – não possuam sabedoria;
- Ela possui certas características: apresenta certas formas de pensar e de exprimir os pensamentos, estabelece certas concepções sobre o que seja a realidade, o pensamento, a ação, as técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas por outros povos e outras culturas;
- Ex. Chineses: pensamento muito profundo sobre a existência de coisas, seres e ações contrários ou opostos, que formam a realidade; Yin – princípio feminino passivo na Natureza: escuridão, frio e umidade; Yang – princípio masculino ativo na Natureza: luz, calor e seco; os dois: se combinam e formam todas as coisas, são feitas de contrários ou de oposições – o mundo é feito da atividade masculina e da passividade feminina;
- Pitágoras: Natureza – sistema de relações ou de proporções matemáticas produzidas a partir da unidade (número 1 e o ponto), da oposição entre os números pares e ímpares, combinação entre as superfícies e os volumes (figuras geométricas), de tal modo que essas proporções e combinações aparecem para nossos órgãos dos sentidos sob forma de qualidades contrárias: quente-frio, seco-úmido, áspero-liso, claro-escuro, grande-pequeno, doce-amargo, duro-mole, etc. O pensamento alcança a realidade em sua estrutura matemática, enquanto nossos sentidos ou nossa percepção alcançam o modo como a estrutura matemática da Natureza aparece para nós, isto é, sob a forma de qualidades opostas.


- Pensamento chinês: duas características existentes em alguns seres (animais e humanos) – masculino e feminino; considera o Universo como oposição de qualidades atribuídas a dois sexos diferentes – o mundo é organizado pelo princípio da sexualidade animal e humano.
- Pensamento de Pitágoras: a Natureza é apanhada numa generalidade muito ampla; faz distinção entre qualidades sensoriais (que aparecem) e estrutura invisível (tipo matemático) que é alcançada pelo intelecto ou inteligência.



1.1.3 O que perguntavam os primeiros filósofos?
- Por que os seres nascem e morrem?
- Por que os semelhantes dão origem aos semelhantes, de uma árvore nasce outra árvore, de um cão nasce outro cão, de uma mulher nasce uma criança?
- Por que os diferentes também parecem fazer surgir os diferentes: o dia parece fazer nascer a noite, o inverno parece fazer surgir a primavera, um objeto escuro clareia com o passar do tempo, um objeto claro escurece com o passar do tempo?
- Por que tudo muda? A criança se torna adulta, amadurece, envelhece e desaparece?
- A paisagem, cheia de flores na primavera, vai perdendo o verde e as cores no outono, até ressecar-se e retorcer-se no inverno?
- Por que um dia luminoso e ensolarado, de céu azul e brisa suave, repentinamente se torna sombrio, coberto de nuvens, varrido por ventos furiosos, tomado pela tempestade, pelos raios e trovões?
- Por que a doença invade os corpos, rouba-lhes a cor, a força? Por que o alimento que antes me agradava, agora, que estou doente, me causa repugnância? Por que o som da música que antes me embalava, agora, que estou doente, parece um ruído insuportável?
- Por que o que parecia uno se multiplica em tantos outros? De uma só árvore, quantas flores e quantos frutos nascem? De uma só gata, quantos gatinhos nascem? (...)
* Foram perguntas como essas que os primeiros filósofos fizeram e para elas buscaram respostas;
* Sem dúvida, a religião, as tradições e os mitos explicavam todas essas coisas, mas suas explicações já não satisfaziam aos que interrogavam sobre as causas da mudança, da permanência, da repetição, da desaparição e do ressurgimento de todos os seres. Haviam perdido força explicativa, não convenciam nem satisfaziam a quem desejava a verdade sobre o mundo.

1.1.4 O nascimento da Filosofia
- Os historiadores da Filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: final do século VII e início do século VI a.C., nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente as que formavam uma região denominada Jônia), na cidade de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto;
- Conteúdo da Filosofia: cosmologia – cosmos: ordem, organizado; logia: pensamento racional, discurso racional, conhecimento; conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza, donde cosmologia;
- Problema: o de saber se a Filosofia – que é um fato especificamente grego – nasceu por si mesma ou dependeu de contribuições da sabedoria oriental (egípcios, assírios, persas, caldeus, babilônios) e da sabedoria de civilizações que antecederam à grega, na região que, antes de ser a Grécia ou a Hélade, abrigara as civilizações de Creta, Minos, Tirento e Micenas;

1.1.4.1 Filiação Oriental da Filosofia
- Defendida oito séculos depois de seu nascimento – quem defendia? Pensadores judaicos: Filo de Alexandria, padres da Igreja (Eusébio de Cesaréia e Clemente de Alexandria); forma superior e mais elevada do pensamento e da moral; os judeus, para valorizar seu pensamento, desejavam que a filosofia tivesse uma origem oriental (Platão: tinha surgido no Egito, onde se originara o pensamento de Moisés, fazendo uma ligação da filosofia grega com a Bíblia);
- Agrimensura dos egípcios: usada para medir as terras, após a cheia do Nilo;
- Astrologia dos caldeus e dos babilônios: usada para prever grandes guerras, subida e queda de reis, catástrofes como peste, fome, furacões;
- Genealogias dos persas: usadas para dar continuidade às linhagens e dinastias dos governantes;
- Mistérios Religiosos (rituais de purificação da alma): para livrá-la da reencarnação contínua e garantir-lhe o eterno descanso, etc.
= Da agrimensura: os gregos fizeram nascer duas ciências – a aritmética e a geometria;
= Da astrologia: duas ciências – a astronomia e a meteorologia;
= Das genealogias: a história;
= Dos mistérios religiosos: teorias filosóficas sobre a natureza e o destino da alma humana.

1.1.4.2 Filiação Ocidental da Filosofia
- Sobretudo no séc. XIX, passaram a falar da filosofia como sendo o “milagre grego”;
- “Milagre”: que a Filosofia surgiu inesperada e espantosamente na Grécia, sem que nada anterior a preparasse; que a Filosofia grega foi um acontecimento espontâneo, único e sem par, como é próprio de um milagre; que os gregos foram um povo excepcional, sem nenhum outro semelhante a eles, nem antes nem depois deles, e por isso, somente eles poderiam ter sido capazes de criar a Filosofia, como foram os únicos a criar as ciências e a dar às artes uma elevação que nenhum outro povo conseguiu, nem antes nem depois deles.

1.1.5 Mito
- O que é um mito? Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.);
- Vem do grego (mythos) deriva de dois verbos – mytheyo: contar, narrar, falar alguma coisa para outros; mytheo: conversar, contar, anunciar, nomear, designar; discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador; essa autoridade vem do fato de que ele ou testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem testemunhou os acontecimentos narrados;
- Quem narra o mito? O poeta-rapsodo: escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes; sua palavra – o mito – é incontestável e inquestionável;

- Como o mito narra a origem do mundo e de tudo o que existe nele?
* Genealogia: encontrando o pai e mãe de todas as coisas e dos seres – relações sexuais entre forças divinas pessoais; titãs: semi-humanos e semi-divinos; os heróis: filhos de um deus com uma humana e vice-versa; os humanos, os metais, as plantas, os animais, as qualidades, como quente-frio, seco-úmido, claro-escuro, bom-mau, justo-injusto, belo-feio, certo-errado, etc. (narrativa da geração dos seres, das coisas, das qualidades, por outros seres, que são seus pais ou antepassados);
* Uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses: faz surgir alguma coisa no mundo; nesse caso, o mito narra ou uma guerra entre as forças divinas ou uma aliança entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens;
* Encontrando as recompensas ou os castigos que os deuses dão a quem lhes obedece ou a quem lhes desobedece, respectivamente.

- O mito narra a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações sexuais entre as forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens;
- Cosmogonia: gennao: engendrar, gerar, fazer nascer e crescer + genos: nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie; cosmos: mundo ordenado e organizado = é a narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas;
- Teogonia: gonia e theos – narrativa da origem dos deuses a partir de seus pais e antepassados.


MITO
- Pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse como existe no presente;

- Narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas sobrenaturais e personificadas;

- Urano, Ponto e Gaia;                

- Origem dos seres celestes (astros), terrestres (plantas, animais e homens) e marinhos pelos casamentos de Gaia com Urano e Ponto;

- Na se importava com as contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador.
FILOSOFIA
- Ao contrário, se preocupa em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são como são;


- Explica a produção natural das coisas por elementos e causas materiais e impessoais;

- Céu, mar e terra;

- Explica o surgimento desses seres por composição, combinação e separação dos quatro elementos – úmido, seco, quente e frio, ou água, terra, fogo e ar;

- Não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.



1.1.6 Condições Históricas para o Surgimento da Filosofia
- O que tornou possível o surgimento da Filosofia na Grécia no final do séc. VII e no início do séc. VI a.C.? Quais eram as condições materiais, i.é, econômicas, sociais, políticas e históricas que permitiram o surgimento da Filosofia?
1º As viagens marítimas: permitiram que os gregos descobrissem que os locais que os mitos diziam habitados por deuses, titãs e heróis, eram, na verdade, habitado por outros seres humanos; e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitadas por monstros e seres fabulosos não possuíam nem monstros nem seres fabulosos. As viagens produziram o desencantamento ou a desmitificação do mundo, que passou, assim, a exigir uma explicação sobre sua origem, explicação que o mito já não podia oferecer;
2º A invenção do calendário: forma de calcular o tempo segundo as estações do ano, as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural e não como um poder divino incompreensível;
3º A invenção da moeda: permitiu uma forma de troca que não se realiza através das coisas concretas ou de objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo de valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização;
4º O surgimento da vida urbana: com predomínio do comércio e do artesanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e plantar o velho poderio da aristocracia de terras de sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a filosofia poderia surgir;
5º A invenção da escrita alfabética: como a invenção do calendário e da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas – como, por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses –, supõe que não se represente uma imagem da coisa que está sendo dita, mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve;
6º A invenção da política: que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da filosofia: a idéia de lei (vontade da coletividade); surgimento do espaço público (novo tipo de palavra ou discurso), valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional; estimula um pensamento e um discurso que não procuram ser formulados por seitas secretas dos iniciados em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, ser público, ensinado, transmitido, comunicado e discutido.

1.1.7 Principais Características da Filosofia Nascente
- Tendência à racionalidade: razão e somente a razão, com seus princípios e regras é o critério da explicação de alguma coisa;
- Tendência a oferecer respostas conclusivas para os problemas: colocado um problema, sua solução é submetida à análise, à crítica, à discussão e à demonstração, nunca sendo aceita como uma verdade se não for provado racionalmente que é verdadeira;
- Exigência de que o pensamento apresente suas regras de funcionamento: o filósofo é aquele que justifica suas idéias provando que segue regras universais do pensamento. Para os gregos, é uma lei universal do pensamento que a contradição indica erro ou falsidade. Uma contradição acontece quando afirmo e nego a mesma coisa sobre uma mesma coisa (ex. “Pedro é um menino e não um menino”, “A noite é escura e clara”, “O infinito não tem limites e é limitado”). Assim, quando uma contradição aparecer numa exposição filosófica, ela deve ser considerada falsa;
- Recusa de explicações preestabelecidas e, portanto, exigência de que, para cada problema, seja investigada e encontrada a solução própria exigida por ele;
- Tendência à generalização: mostrar que uma explicação tem validade para muitas coisas diferentes porque, sob a variação percebida pelos órgãos de nossos sentidos, o pensamento descobre semelhanças e identidades;
- Por exemplo: para meus olhos, meu tato e meu olfato, o gelo é diferente da neblina, que é diferente do vapor de uma chaleira, que é diferente da chuva, que é diferente da correnteza de um rio. No entanto, o pensamento mostra que se trata sempre de um mesmo elemento (a água), passando por diferentes estados e formas (líquido, sólido, gasoso), por causas naturais diferentes (condensação, liquefação, evaporação);
- Reunindo semelhanças, o pensamento conclui que se trata de uma mesma coisa que aparece aos nossos sentidos de maneira diferentes e como se fossem coisas diferentes. O pensamento generaliza porque abstrai (isto é, separa e reúne os traços semelhantes), ou seja, realiza uma síntese. E o contrário também ocorre: muitas vezes, nossos órgãos dos sentidos nos fazem perceber coisas diferentes como se fossem a mesma coisa, e o pensamento demonstrará que se trata de uma coisa diferente sob a aparência da semelhança.

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